quarta-feira, 26 de abril de 2017

O mundo acadêmico é para qualquer um?

Atualmente, estou em um ciclo de expressar algumas opiniões por aqui e, faço isso por motivos simples. O primeiro motivo se baseia no fato de estar inserido nas burocracias do doutorado, onde tenho que fazer matérias específicas e também assistir palestras, além de escrever projeto de pesquisa, participar de reuniões, ler artigos, adentrar em projetos e até mesmo dar aulas no nível superior, o que acaba me atrapalhando um pouco na produção das vídeos aulas.

O segundo motivo, se dá por um momento onde muitas pessoas acreditam ter conhecimento para falar sobre diversas frentes, uma vez que, com diversos meios de comunicação e as redes sociais, cria-se uma maré de opiniões que não tem fundamentos teóricos, entretanto, ricamente embasada em fundamentos políticos.

Então, após essa explicação, vamos entrar no conteúdo que pretendo abordar nesse texto.


Fazer faculdade e ter um diploma é essencial? 
Essa pergunta é extremamente importante e deve ser tratada com muito cuidado, para que, não se crie generalizações e ou mesmo "preconceitos".

O conhecimento deve sempre ser tratado como um evento natural na vida de uma pessoa, sendo que, o mesmo vai se construindo ao redor de experiências cotidianas e obviamente de eventos induzidos para que o conhecimento seja desenvolvido. Dessa forma, tudo o que necessita ser induzido para que o conhecimento seja desenvolvido frente a uma área mais abstrata, necessita de um tutor, uma vez que, a simples observação de um fenômeno não surtirá efeito.

Um exemplo disso é se pensarmos no homem primitivo como abordei no vídeo sobre o desenvolvimento dos relatórios (Link do vídeo), onde inicialmente havia necessidade de se utilizar dos sentidos para identificar um observável, ou seja, se um pássaro comia uma fruta e o hominídeo o visse comendo, obviamente a probabilidade daquilo ser comestível era muito grande. Entretanto, compreender o que tem naquela fruta e, dessa forma, ter certeza que algum componente da mesma é bom para a saúde, esse já é um conhecimento que depende do desenvolvimento de técnicas e metodologias. 

Fica bastante claro que existem níveis e tipos diferentes de conhecimento, ou seja, é necessário que o indivíduo se aplique em busca de novas formas de abstração, para que consiga desenvolver um arcabouço com a finalidade de expandir seu universo de conhecimento. Em outras palavras, o conhecimento só pode ser expandido se o indivíduo o buscar, passando pelos níveis, desde o mais simples, que se baseia no caráter sensorial, depois pelo senso comum e por fim no conhecimento abstrato.

Assim o conhecimento não é algo impositivo, mas sim, algo a ser buscado pelo indivíduo, entretanto, que deve sim ser incentivado nos níveis iniciais, onde a abstração ainda é bastante simplória. Com a posse dessa ideia, podemos determinar que, o início do aprendizado básico existe uma necessidade do responsável pela formação de uma criança apresentar o conhecimento como algo a ser conquistado e não como algo obrigatório. Obviamente, na maioria das vezes isso não ocorre, sendo que, a escola acaba por ganhar a posição de formadora do conhecimento. 



Repassar para a escola a função de formadora do espírito científico e  muitas vezes, também, o caráter moral, aos indivíduos em formação, é um grande erro por parte dos responsáveis, uma vez que, a escola somente tem a função (pelo menos era assim em princípio), de servir de tutoria frente aos conteúdos mais abstratos e que necessitam de uma formação cognitiva específica. Dentro do escopo das diversas matérias existentes no currículo escolar, as mesmas tem como objetivo trazer novas formas de pensar e apresentar ao indivíduo informações e formas cognitivas de trabalhar frente a um problema comum. Isso acaba por despertar o que chamamos de vocação no que tange à escolha profissional.

Com a formação do espírito profissional do indivíduo, o mesmo consegue determinar qual área do conhecimento se interessa ou mesmo possui maior facilidade. Entretanto, como foi dito anteriormente, são diversas as formas de conhecimento e inteligência. Dessa forma, dependendo da área, nem sempre existe a necessidade de um nível superior para aplicar a vocação profissional. Um exemplo bem fácil de se imaginar é com pessoas que trabalham com algum comércio, na grande maioria das vezes essa pessoa não tem um diploma em administração ou mesmo em economia, porém, consegue ter bons resultados. O mesmo se aplica a pessoas que trabalham por exemplo com produtos de origem agrícola, muitos não possuem graduação em engenharia agrícola ou cursos semelhantes. Um garçom, um auxiliar administrativo, um motorista... dentre muitas outras funções, que são importantes para o convívio em sociedade, não precisam de um curso superior para que exerçam suas funções. Por outro lado, fica claro que para exercer qualquer função, o indivíduo tem que buscar algum conhecimento, mesmo que seja um simples treinamento.

Logo, fica claro que nem todas as pessoas precisam fazer faculdade para serem felizes e conviverem bem em sociedade, existem diversos caminhos a serem traçados, o que responde a pergunta inicial desse texto. 

Limitar as carreiras dentro de uma necessidade de nível superior acaba por criar diversas formas de preconceitos, sendo que, esses preconceitos se baseiam principalmente no caráter salarial. Criou-se uma importância tão grande ao diploma de nível superior que um indivíduo que o possui, devido à sua qualificação, faz com que o piso salarial de sua categoria seja extremamente alto.

Nesse ponto entramos no caráter mais importante desse texto e, daqui para frente, torna-se importante que o leitor tenha mente aberta para conseguir compreender o que se expõem. 

Um grande problema que vivemos no mundo acadêmico hoje, é o fato de que no Brasil está ocorrendo um fluxo exorbitante de pessoas no nível superior. Isso pode parecer algo muito bom, porém, é um grande engodo. Imaginem que existe uma linha bastante tênue entre qualidade e quantidade, sendo que, quanto mais pessoas adentram à academia, menos qualidade se tem, uma vez que, as instituições não possuem competência e instalações para trabalhar com tanta gente. 

No ano de 2007 foi iniciado um projeto conhecido como REUNI (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que tem como objetivo repassar verba para aumentar o número de vagas nas universidades federais e até mesmo auxiliar na criação de novos campus pelo Brasil. Entretanto, esse projeto, que faz parte do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), acabou aumentando bruscamente o número de alunos e dessa forma, diminuindo o número de corte no vestibular para diversos cursos, ou ainda, permitindo que os cursos não finalizassem o total de número de vagas, havendo a necessidade de crer por várias listas de espera, tendo a finalidade de completar um curso. 


O grande problema disso é que muitos alunos entram já perdendo provas e trabalhos, o que muitas vezes prejudica muito o curso. Eu tive vários colegas de curso que entraram com matérias em desenvolvimento avançado, ou seja, perderam experimentos, relatórios, trabalhos e dessa forma se prejudicaram, pois, não podiam refazer os mesmos. Como consequência disso, esses alunos acabaram se complicando em matérias que eram pré-requisito para matérias de outros semestres. Dessa forma, em vez de fazerem o curso em 5 anos (Licenciatura em Química da UFSCar), fizeram o mesmo em muito mais tempo, chegando ao ponto de quase jubilarem. Ocorreu também o fato de outros alunos também não conseguirem ficar no curso e abandonar o curso.

Abandonar um curso é algo péssimo para a instituição, pois, existe toda a burocracia de inscrição do aluno e se o mesmo, entrar em um curso de abrangência das Ciências Naturais, o custo mensal do indivíduo é bastante alto, pois o consumo de reagentes e aparelhos laboratoriais é caríssimo. Nesse escopo, ter um gasto alto e não garantir a formação do aluno é um déficit absurdo.

Duplicar o número de vagas de alunos nas universidades federais também prejudica as matérias, uma vez que, nem sempre existem anfiteatros para receber tantas pessoas e assim desenvolver uma aula. Para o docente também se mostra algo extremamente complicado, uma vez que não existe possibilidade de marcar horários de dúvidas individual, prejudicando assim o aspecto educacional da matéria. A nível social, para conseguir receber e sustentar o dobro de pessoas, as universidades tem que garantir um número grande de alojamentos, bolsas, distribuição de alimentação, além de serviço básico.

Sabendo ainda que, pelo motivo de permitir um grande número de pessoas na universidade, as listas correm mais, permite-se assim, a entrada de pessoas que não estão ou não são preparadas, ou que ainda não possuem a vocação profissional para um determinado curso. Isso também é prejudicial, pois a longo prazo ocorrem abandonos de curso, gastos que não eram necessários, desvalorização do curso, matérias perdendo qualidade e, como consequência, a formação dos indivíduos se torna bastante desqualificada. 

Em muitos cursos, a ementa curricular tenta melhorar a formação dos alunos, com o adentramento de matérias básicas, as quais os alunos já deviam dominar, entretanto, preencher espaços da ementa com conteúdo básico acaba culminando em cursos mais longos ou mesmo em cursos que retiram matérias importantes, pois, consideram ser complexas demais para grande parte dos discentes. Dessa forma existe uma formação mais desqualificada dos indivíduos.

Em resumo, o que podemos extrair do que ocorre hoje nas universidades federais brasileiras (estou trazendo isso sem propaganda política, sem querer justificar algo a nível de esquerda ou direita e sem querer criar algum nível de preconceito), é que se preocupa mais com quantidade do que com qualidade. E essa quantidade colapsa diretamente com postos de trabalho, uma vez que, a pessoa se forma, mas, concorrendo com ela por um único posto de trabalho, existem mais uma centena de outras pessoas, que são "qualificadas" e possuem um piso salarial alto. Como consequência imediata disso são "profissionais" trabalhando em frentes completamente opostas à sua formação.

No meu ponto de vista, todas as profissões devem ser valorizadas, assim como as diversas formas de inteligências que são necessárias para desenvolver tais atividades. Como educadores precisamos alertar os indivíduos que estão em formação que existem diversos caminhos, e a existência de diversas matérias na ementa curricular da escola mostra bem isso, ou seja, o caminho acadêmico não é o único ambiente possível para a sobrevivência profissional, entretanto, existem outras formas de se buscar um futuro, desde que seja uma ocupação honesta e que não prejudique ao próximo. É mais do que óbvio que deve ser exposto claramente que, o único caminho a ser seguido é o esforço e a necessidade de estudo, em outras palavras, a necessidade individual de busca do profissionalismo. 

Seria ideal que os órgãos de gerencia da educação no Brasil garantissem uma formação básica excelente e que levassem os alunos poderem escolher se querem vida acadêmica ou não, ou seja, que garantissem a possibilidade dos alunos tomarem a decisão se querem fazer ensino superior. Isso evitaria manobras políticas que visam somente a quantidade e não qualidade. Geralmente essas manobras políticas somente tem como função gerar números, para dizerem que durante o mandado foi um período de intensa entrada no nível superior. Ou seja, fazem isso por pura propaganda, tendo finalidade de angariar mais votos.

Ainda dentro do meu ponto de vista, todas universidades, sejam estaduais, federais e até as particulares, deviam levar em consideração o currículo escolar dos ingressantes, tendo como finalidade conseguir classificar quem se mostra apto, desde os níveis escolares mais baixos, a entrarem em um determinado curso. Para as vagas remanescentes haveria um vestibular de nível médio a difícil, com finalidade de determinar quem tem qualidade, mesmo não sendo reportado no histórico, pois como disse anteriormente, existem diversas formas de inteligência e, mesmo sem notas excelentes dentro de uma área do conhecimento, é direito de qualquer um querer buscar uma nova forma de conhecimento, por isso, existe a necessidade do vestibular, com nota de corte e limite de vagas em cursos (se é que sobrariam devido a análise de currículo).

Obviamente essa minha ideia somente seria aplicada de uns anos para frente, já que deve ocorrer uma geração inteira de formandos ainda, além de uma mudança no currículo educacional. Porém, evitaria a entrada de um grande contingente de pessoas que não possuem a vocação dentro uma frente, mas que somente escolheram prestar pelo fato da lista correr muito, ou de haver um grande número de vagas, ou da nota de corte ser pequena, ou ainda de entrar no curso para tentar transferência.

Explicando melhor aos alunos e reformulando a forma como o ensino superior é exposto, quebrando o paradigma de que você não pode ser nada sem um diploma universitário, torna-se muito mais saudável a vida de todos. Ou seja, no meu ver, o mundo acadêmico não é para qualquer um.

Em breve pretendo trazer um texto referente a patologias que são desenvolvidas durante o ensino superior, devido aos problemas emocionais que o paradigma "Você não é nada sem um diploma" trás nos diversos níveis acadêmicos. 

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