domingo, 29 de setembro de 2019

O Arauto da Notoriedade: De onde vem a pseudo-ciência moderna e as teorias da conspiração?

Um fato que a muito tempo vem gerando polêmica é o acesso público ao conteúdo científico, principalmente em tempos onde a população passa por um surto de descrença na Ciência. Observem que existe uma correlação existente entre o surgimento de movimentos sobre Terra Plana e Antivacinas, com a elitização do conhecimento científico.

Muitas poucas pessoas sabem, mas a ideia de Terra Plana surge no século XVIII com a ideia de escarnecer a Igreja Católica, a qual não acreditava na planicidade da Terra (basta ver as imagens de muitos santos da idade média segurando um globo por exemplo). O fenômeno Flatearth pode até parecer um movimento pseudo-científico de características fortemente empíricas, uma vez que seus aceitadores usam testes para tentar provar algo, mas na realidade, o movimento é algo mais filosófico e que somente vai acabar desinformando as pessoas. Logo, a Terra Plana trás mais uma destruição da erudição do que realmente de bases importantes da vida em sociedade.

Mas o grande problema é que a ideia de teoria da conspiração que surge no pensamento Flatearth, acaba fomentado novas teorias da conspiração, que por sua vez podem ser destrutivas, como por exemplo o movimento Antivacina. Mas de onde surge esse movimento?

No ano de 1998, um médico inglês chamado Andrew Wakefield publicou na famosa revista científica Lancet, um estudo com doze crianças autistas. No texto de sua pesquisa havia uma discussão dizendo  que em oito dessas crianças a síndrome somente se manifestou após duas semanas de vacinação com a tríplice viral (caxumba, sarampo e rubéola). Essa pesquisa caiu como uma bomba na comunidade científica e, também entre as pessoas leigas em Ciências. 

Obviamente houve a necessidade de uma contraprova e novas pesquisas foram feitas, pois o que o artigo denunciava era de gravidade imensa. Com o passar do tempo foi tornando-se claro que havia uma fraude na pesquisa de Wakefield e o intuito era financeiro. Descobriu-se que o médico tinha um contrato com um grupo de advogados que queriam criar um engodo para processarem a indústria farmacêutica. Wakefield teve seu registro médico cassado e sua publicação foi removida do site da revista Lancet no ano de 2010.


Figura 1: Com a popularização da internet e o uso da mesma pelos charlatões científicos houve um acréscimo da contaminação por Sarampo no mundo todo.


Figura 2: Andrew Wakefield

O artigo de Wakefield ficou no site da Lancet cerca de doze anos, o que foi suficiente para servir de argumento para os teóricos da conspiração. Hoje existem diversos engôdos ligados às vacinas, sendo que a proporção já se mistura com outros movimentos, como é o caso do Veganismo. Já existem pessoas dizendo que pelo fato das vacinas e soros serem produzidas e muitas vezes testadas em animais, isso corresponde a uma brutalidade e, dessa forma, preferem se manter sem a vacinação. Outro caso se relaciona com um medo de que componentes tecnológicos sejam injetados no corpo dos pacientes tendo como finalidade controlar suas ações e pensamentos pelos governos mais poderosos. Ou seja, a pseudo-ciência leva a um clima de histeria. 


Figura 3: A maioria dos surtos de doenças controláveis por meio de vacinas ocorre em meio às populações com pouco acesso a documentos científicos. Nesses locais a informação científica é misturada com explicações do sincretismo e senso comum.

Esse problema é muito grave e está correlacionado com a crença de que o conhecimento científico deve se manter somente dentro dos círculos científicos e de que a população deve receber apenas os resultados funcionais da consolidação de um processo científico. 

Parte da culpa desse sincretismo da população é da academia científica, que não acredita que as pessoas tenham capacidade de compreender o conhecimento científico. Logo, as revistas especializadas criaram para si uma notoriedade de oráculo e guardião do conhecimento, a tal ponto que o acesso, até mesmo para cientistas, se dá por intermédio de aporte financeiro, ou seja, para ler um artigo você tem que pagar. O que acaba por afastar a população do conhecimento científico.

Devido ao problema da academia elitizar o conhecimento, houve o surgimento de um efeito colateral, sendo que a figura do arauto da notoriedade científica ganhou mais notoriedade do que a revista em si, uma vez que o mesmo se utiliza de meios de comunicação em massa como a internet. Dessa forma muitos daqueles que se dizem pesquisadores e que conseguiram acesso a um documento científico, acabam por iniciar um processo de interpretação própria do conteúdo e, dessa forma, dissemina-lo de forma errada, seja com o intuito de querer levar alguma informação para a sociedade, seja com o fato de querer promoção do próprio nome. 

Um exemplo que faz com que a pessoa se torne o arauto da notoriedade para grande parte da comunidade leiga em Ciência é o uso do termo "Quântica" em qualquer coisa que não tenha uma explicação lógica. A Quântica ganhou com o passar do tempo um aspecto de irrealidade, ou seja, algo que não se encontra no universo natural, visível e compreensível, sendo que qualquer efeito que não se enquadre na física mecânica ou no senso comum, acaba se tornando um efeito quântico. Um tempo atrás um especialista em computação gráfica criou um vídeo onde eram despejadas dentro de uma caixa de acrílico bolinhas de gude de quatro cores diferentes, as mesmas caiam de forma caótica, mas em um dado momento elas se dividiam em caminhos específicos e se amontoavam baseado em suas cores específicas. Logicamente tudo não se passou de um efeito visual, uma vez que as bolinhas foram coloridas de forma digital. Entretanto, um grupo de teóricos da conspiração quântica surgiu com a discussão de que cada cor tem uma frequência de vibração específica e com isso conseguem se dividir em montes de mesma cor. Os mesmos foram desmascarados quando o making off do vídeo veio a tona e mostrou-se que todas as bolinhas eram brancas na realidade. 

Esses teóricos do universo quântico, que prometem curas e explicações milagrosas se baseiam na premissa de que ninguém compreende o que a Física e a Química Quântica dizem para dessa forma criarem uma casca de sabedoria em torno de suas reputações. Seria tudo mais simples se a população tivesse a informação de que a Quântica somente trata da quantidade de energia que uma partícula precisa para passar de um estado para outro, em vez de ser excluída da discussão, uma vez que a matemática envolvida é "refinada" demais.

Em resumo, enquanto o mundo acadêmico se manter fechado, sem que os pesquisadores de verdade venham a público explicar seus trabalhos, muitos oportunistas ganharam o título de arautos do saber e disseminarão pseudo-ciência e teoria da conspiração.