quinta-feira, 23 de março de 2017

Ferramentas de procura e acesso a artigos científicos

O mundo científico é extremamente dinâmico, sendo que diariamente temos novos dados sendo publicados, uma vez que, a divulgação é uma parte intrínseca da produção científica. Produzir dados e expô-los  ao público, muitas vezes pode ser algo estratégico, tendo como objetivo angariar financiamento para uma determinada pesquisa. Entretanto, esses dados geralmente visam um público alvo, que no caso é o público científico, o que acaba por encarecer a divulgação, uma vez que, quem estiver de fora do universo acadêmico, em geral, tem que pagar para conseguir acesso.

Muitas pesquisas tem como objetivo, produzir dados que não buscam divulgação imediata, já que são protegidos por patentes e aplicações militares, sendo que, os dados somente serão divulgados depois de anos que a tecnologia envolvida tenha sido consolidada. Dessa forma a informação acaba ganhando teor de divulgação tardia, e mesmo assim, ainda se tem a cobrança sobre a mesma. 

Os jornais, periódicos e revistas científicas são classificados baseados no público e na quantidade de acessos que as mesmas tem, logo, uma pesquisa se mostra relevante se for aceita ou financiada a ser publicada em revistas de grande impacto. Como uma consequência, os autores ganham relevância baseada no número de acessos que sua publicação tem, isso é chamado de "Índice H". Com uma pontuação alta, o autor ganha importância de publicação, o que ajuda o mesmo a publicar mais vezes em revistas de grande impacto. Em outras palavras, o pesquisador que gera bons artigos, acaba sendo premiado pela quantidade de acessos, uma vez que seu nome tem relevância dentro do universo específico onde ele atua.

O Índice H foi proposto em 2005 por Jorge E. Hirsh, um físico Argentino, e se baseia no número de artigos produzidos por um autor e na quantidade de citações dos mesmos. Isso se dá da seguinte forma:

Um pesquisador que escreveu 5 artigos e cada um desses artigos teve 5 ou mais citações, faz com que o Índice H do mesmo seja igual a 5, entretanto se um pesquisador tem uma única publicação com 500 citações, faz com que o pesquisador tenha Índice H equivalente a 1, já que possui somente 1 único artigo relevante. 

Esse último caso se mostra uma falha no que tange o Índice H, uma vez que não consegue medir muito bem qualidade, mas sim, se concentra mais em quantidade. Isso é problemático pois acaba por criar um rótulo frente a pesquisadores em início de carreira ou mesmo os que estão em áreas que levam mais tempo para se produzir artigos, como é o caso das áreas de estudo comportamental.

Então, sabendo que os artigos são de extrema importância no universo acadêmico, existem sites especializados em trazer de forma pública artigos para toda a comunidade de forma gratuita. Obviamente, alguém pagou para baixar o artigo, como é o caso da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) aqui no Brasil, sendo que essa instituição de fomento garante para os pesquisadores, professores e alunos das universidades públicas consigam ter acesso gratuito aos artigos de todas as revistas de publicação científica. Porém, se os artigos ficarem presos dentro do universo acadêmico, não se promove uma democratização do conhecimento científico mais especializado. Mesmo que grande parte do conhecimento científico mais especializado não seja "tão útil" para o público em geral, poder acessar um conteúdo científico de maior relevância pode fomentar o crescimento do espírito científico de alguém que jamais teria a chance de ler um documento em linguagem científica.

Para artigos ou trabalhos em português, publicados em revistas brasileiras ou instituições, a grande maioria pode ser encontrado no Google Acadêmico, uma vez que as revistas não cobram pelo download ou acesso aos documentos. Um fato interessante dessa ferramenta é que se pode procurar os artigos de revistas internacionais também e, caso o usuário tenha possibilidade de pagar, ele pode acessar o site da revista e "comprar" o artigo ou o acesso (desde que não esteja em uma universidade, pois nesse caso o acesso é garantido, pois como já foi dito anteriormente, existem instituições que garantem isso às universidades públicas). 

Entretanto, o interessante se dá para autores que se encontram na fase de citações do seu artigo, dissertação ou tese, já que, existe junto ao nome do artigo ou trabalho um link que já traz a citação do mesmo de diversas formas, uma vez que, dependendo da instituição ou revista, existem diferentes maneiras de se citar um trabalho em uma lista de referências. Essa ferramenta de pesquisa funciona usando o nome do trabalho, ou dos autores, ou mesmo de algum tema o qual seja interessante, ou ainda o número de identificação do trabalho (DOI - Digital Object Identifier). Por exemplo, desejo um trabalho sobre características periódicas dos elementos da família do Carbono, é só escrever na caixa de texto algo como "Família do Carbono" ou "Carbon Family", o que vai lhe resultar em um grande número de trabalhos que podem ser pesquisados.

O exemplo que darei a seguir é referente a minha dissertação de mestrado, cujo o título é:



No Google Acadêmico você encontra o link que vai levar até o banco de dados da USP, onde se encontra minha dissertação hospedada. Na imagem abaixo temos os diversos objetos que podem ser acessados referente esse trabalho.


Quando se clica no link Citar temos:


Além dessa boa ferramenta do Google, a qual ajuda muito na escrita de teses e dissertações, existe também um site hospedado em uma plataforma Russa, chamado Sci-Hub, o qual fornece uma caixa de texto onde o usuário pode digitar o DOI ou a URL de onde se encontra hospedado o trabalho. Mesmo sendo uma plataforma Russa e existindo algumas coisas escritas em alfabeto cirílico, não é nada que prejudique a pesquisa.

O interessante desse site é que ele na realidade é um grande banco de dados, onde os usuários podem compartilhar artigos e deixa-los salvos nesse banco para que outras pessoas possam utiliza-los de forma gratuita.


Para quem precisa desenvolver trabalhos, porém, não tem possibilidade de se deslocar até uma faculdade pública, ou não está vinculado à mesma, conseguir unir essas duas ferramentas de pesquisa, no caso o Google Acadêmico e o Sci-Hub, se mostra algo muito bom e útil no que tange produção científica e democratização da produção científica.

terça-feira, 7 de março de 2017

Desmistificando a Ciência: Natureza e Ciência não são a mesma coisa.

Caros leitores, estudantes e professores, dentro do universo da ciência encontramos diversas verdades absolutas, as quais são consideradas básicas para que o todo faça sentido. Um exemplo bastante simples para quem trabalha com física e química são as leis da termodinâmica, as quais se, forem violadas, teremos diversos problemas conceituais a nível de validação de fenomenologia.

Isso ocorre, devido ao fato de que, a ciência não é o próprio fenômeno, mas sim, um modelo de interpretação do que vemos (num sentido de captar dados) referente ao fenômeno. Em outras palavras, a ciência é uma linguagem interpretativa.

Talvez fique mais claro se pensarmos da seguinte forma:
"Imagine que encontramos um livro escrito em grego, entretanto, somente falamos português e, nunca tivemos contato com o alfabeto grego, então, esse livro será uma grande questão em aberto, sendo que, dificilmente iremos compreender o que se relata naquelas folhas. Agora, imagine que, somente as palavras estão em grego, mas, o alfabeto o qual essas palavras são escritas seja o mesmo que usamos diariamente, obviamente, conseguiríamos pronunciar alguns sons, ou ao menos imaginar que tais palavras tenham tal som. Dentro desses dois modelos de livros, ainda é impossível uma compreensão simples de quem jamais teve qualquer contato com a língua grega, porém, o segundo modelo se mostra mais compreensível."

Figura 1: Texto em grego.

A ciência sempre tenta buscar caminhos mais curtos para a cognição, sendo que, sempre em uma comparação entre duas ou mais explicação para um mesmo fato ou fenômeno, aquela que for mais simples, tende a ser a correta em quase todos os casos. Essa ideia é conhecida como a Navalha de Occan, e foi proposta por um frade franciscano chamado Guilherme de Ockham (entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem - as entidades não devem ser multiplicadas além das necessidades).

Existem casos na ciência, em que nem sempre a explicação mais simples parece ser a mais correta, entretanto, o fato de não levarem aos resultados esperados ou observados, se dá devido a teoria estar usando um modelo errado, em outras palavras, se está tentando ler um livro em grego usando um decodificador em português.

Um grande exemplo de problema interpretativo, se deu com a descoberta do elétron e de seus comportamentos que não eram explicados com a física newtoniana. Devido ao fato do modelo atômico baseado na movimentação circular dos elétrons em torno do núcleo, falhar dentro da física newtoniana, uma vez que, uma carga negativa seria atraída em direção ao núcleo positivo, descrevendo uma trajetória em espiral e, levando ao eminente choque entre elétrons e núcleo e, causando a destruição do átomo não ser possível, houve a necessidade de se elaborar uma nova forma interpretativa para esse fenômeno. Assim, ao longo de muito tempo de  pesquisas se determinou que os elétrons possuem quantidades de energia, que os mantém em uma determinada região do espaço, que não seja o núcleo. Dessa forma, tivemos o desenvolvimento de uma área da física, onde, para partículas nanométricas, a física newtoniana não era a regra, ou seja, surgiu um novo modelo interpretativo, nesse caso a quântica.

Torna-se claro que, para a ciência explicar fenômenos, existe uma grande necessidade de mudança de modelos sempre que necessário, sendo que, esses modelos muitas vezes somente funcionam dentro de condições extremamente específicas de trabalho e observação, como no caso quântica, a qual, prioriza um universo tão minusculo que pequenas alterações (que para um simples observador, jamais seriam percebidas), causam eventos de imensa complexidade.

Então, caro leitor, o que compreendemos por ciência, na realidade é um grande conjunto de modelos, que resultam em um modelo maior, o qual, é preparado para dar respostas que sejam interpretativas para nossa capacidade cognitiva frente ao abstrato. Logo, podemos caracterizar que, o ser humano tem ou desenvolveu naturalmente alguns sensores para que consiga decodificar os dados. Esses sensores são baseados principalmente nos sentidos da fala, audição, visão e tato. Ou seja, como a capacidade de se expressar oralmente (fala e audição), ler e escrever (visão e tato), mas não no paladar e no olfato, que são dois de nossos sentidos que foram diminuídos ao longo da história da espécie humana.

Figura 2: Os cinco sentidos - Falo mais sobre isso no vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=5sF19dVOLj8

Dessa forma, toda a informação que buscamos extrair da natureza, tem como objetivo, ser decodificada em dados que sejam assimiláveis pelos nossos principais sentidos, o que nos leva a necessidade da ciência ser um modelo preparado para gerar informação para esses sensores naturais.

Obviamente que, toda a informação então, seja passada de forma visual e audível, como no caso de uma aula, sendo o professor o agente que escreve na lousa e explica a matéria, ou um livro de cálculo que trás a explicação de algo extremamente abstrata como uma função com o auxílio de gráficos, ou ainda, da visualização de um simples fenômeno. Assim, os principais sensores que serão ativados primeiro sempre serão a visão e a audição e, isso se dá, pois ao longo do desenvolvimento do que compreendemos como ciência (ao nível de coisas simples do cotidiano até às abstrações mais complexas do que tange à natureza), o sistema interpretativo foi moldado em torno desses dois sensores, sendo que, a visão se tornou o principal deles.

Tomando por base tudo isso, conseguimos determinar o que é coerente e o que é incoerente dentro desse sistema interpretativo da natureza, uma vez que, conseguimos extrair informações e decodifica-las para um conjunto de dados que são de simples abstração. Entretanto, ainda em muitos casos, existem fenômenos que são trabalhados com algo que foge fora ao senso científico, extrapolando ao fato de haver a necessidade de se criar uma nova área, mas muitas vezes, chegando ao ponto de existir um certo "preconceito" frente ao modelo por parte da comunidade que se diz "detentora do conhecimento". 

Se dizer "detentor do conhecimento" e, se achar apto a dizer se algo é relevante, coerente ou científico, é um grande perigo para um cientista, uma vez que, a ciência é formada inicialmente de questionamentos e não diretamente de postulados. Para que uma verdade seja considerada absoluta, existe a necessidade inicial de se questionar se a mesma é uma verdade e, assim, conseguir se determinar um parâmetro de inquestionabilidade. Dentro desse escopo, surgem os erros atribuídos frente a uma observação, medida ou cálculo, em outras palavras, existem variações que podem ser relevantes ou não para a explicação e validação de um fenômeno ou fato.

Um exemplo de modelo considerado não-científico pela comunidade "detentora do conhecimento", devido ao fato de que esse modelo acaba por extrapolar as características do que se tem provado como verdade absoluta na ciência, é o modelo da Terra Plana. É óbvio que, o planeta Terra possui um formato semelhante a uma esfera e, isso pode ser provado com várias observações simples, como a sombra da Terra na Lua, ou do horizonte não ser contínuo eternamente, além do fato de que uma forma semelhante a uma esfera gasta menos energia e, então a estrutura se torna mais coesa. Entretanto, a teoria da Terra Plana nos trás a ideia de observação baseada no referencial, sendo que, para geocientistas, quando os mesmo rodam cálculo de interpretação de geomorfologia, se a área corresponde até um total de 600 km de extensão, a Terra é considerada plana e, os cálculos dentro desse modelo resultam em valores extremamente coerentes, tanto que, não se usa outro modelo, mesmo sabendo que a Terra não é plana. 

Figura 3: Alusão à Terra Plana
Com base nisso, chegamos a um momento muito importante do crescimento do espírito cientifico e cognitivo de um indivíduo, que é a capacidade de perceber que, a ciência, não corresponde à natureza como uma realidade, mas sim, corresponde às informações colhidas da mesma, sendo que, essas informações se encontram abstraídas dentro de um modelo interpretativo que se mostra cognitivamente simples às capacidades sensoriais (de início) e à capacidade decodificadora (pensamento abstrato) por parte do interpretador. Se mostra mais do que óbvio que, dentro desse modelo, que chamamos de ciência, existem falhas, que são supridas por adendos, ou seja, por formas mais simples de se explicar um fato, que nem sempre vai se mostrar coerente com o que concebemos como verdade absoluta em relação ao modelo proposto. 

Se a ciência não se encontrasse disposta a passar por quebras de paradigma, por modificações de modelos, pela sobreposição de preconceitos dentro do modelo, pelo aceite de postulados que anteriormente foram estudados e questionados, hoje, não teríamos os avanços significativos no que tange ao modelo científico geral.

Então, é função de todo profissional de divulgação científica, professor e pesquisador, garantir às pessoas as informações corretas do que é a ciência e, desmistifica-la completamente do estigma de detentora de verdades absolutas e irredutíveis.