terça-feira, 7 de março de 2017

Desmistificando a Ciência: Natureza e Ciência não são a mesma coisa.

Caros leitores, estudantes e professores, dentro do universo da ciência encontramos diversas verdades absolutas, as quais são consideradas básicas para que o todo faça sentido. Um exemplo bastante simples para quem trabalha com física e química são as leis da termodinâmica, as quais se, forem violadas, teremos diversos problemas conceituais a nível de validação de fenomenologia.

Isso ocorre, devido ao fato de que, a ciência não é o próprio fenômeno, mas sim, um modelo de interpretação do que vemos (num sentido de captar dados) referente ao fenômeno. Em outras palavras, a ciência é uma linguagem interpretativa.

Talvez fique mais claro se pensarmos da seguinte forma:
"Imagine que encontramos um livro escrito em grego, entretanto, somente falamos português e, nunca tivemos contato com o alfabeto grego, então, esse livro será uma grande questão em aberto, sendo que, dificilmente iremos compreender o que se relata naquelas folhas. Agora, imagine que, somente as palavras estão em grego, mas, o alfabeto o qual essas palavras são escritas seja o mesmo que usamos diariamente, obviamente, conseguiríamos pronunciar alguns sons, ou ao menos imaginar que tais palavras tenham tal som. Dentro desses dois modelos de livros, ainda é impossível uma compreensão simples de quem jamais teve qualquer contato com a língua grega, porém, o segundo modelo se mostra mais compreensível."

Figura 1: Texto em grego.

A ciência sempre tenta buscar caminhos mais curtos para a cognição, sendo que, sempre em uma comparação entre duas ou mais explicação para um mesmo fato ou fenômeno, aquela que for mais simples, tende a ser a correta em quase todos os casos. Essa ideia é conhecida como a Navalha de Occan, e foi proposta por um frade franciscano chamado Guilherme de Ockham (entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem - as entidades não devem ser multiplicadas além das necessidades).

Existem casos na ciência, em que nem sempre a explicação mais simples parece ser a mais correta, entretanto, o fato de não levarem aos resultados esperados ou observados, se dá devido a teoria estar usando um modelo errado, em outras palavras, se está tentando ler um livro em grego usando um decodificador em português.

Um grande exemplo de problema interpretativo, se deu com a descoberta do elétron e de seus comportamentos que não eram explicados com a física newtoniana. Devido ao fato do modelo atômico baseado na movimentação circular dos elétrons em torno do núcleo, falhar dentro da física newtoniana, uma vez que, uma carga negativa seria atraída em direção ao núcleo positivo, descrevendo uma trajetória em espiral e, levando ao eminente choque entre elétrons e núcleo e, causando a destruição do átomo não ser possível, houve a necessidade de se elaborar uma nova forma interpretativa para esse fenômeno. Assim, ao longo de muito tempo de  pesquisas se determinou que os elétrons possuem quantidades de energia, que os mantém em uma determinada região do espaço, que não seja o núcleo. Dessa forma, tivemos o desenvolvimento de uma área da física, onde, para partículas nanométricas, a física newtoniana não era a regra, ou seja, surgiu um novo modelo interpretativo, nesse caso a quântica.

Torna-se claro que, para a ciência explicar fenômenos, existe uma grande necessidade de mudança de modelos sempre que necessário, sendo que, esses modelos muitas vezes somente funcionam dentro de condições extremamente específicas de trabalho e observação, como no caso quântica, a qual, prioriza um universo tão minusculo que pequenas alterações (que para um simples observador, jamais seriam percebidas), causam eventos de imensa complexidade.

Então, caro leitor, o que compreendemos por ciência, na realidade é um grande conjunto de modelos, que resultam em um modelo maior, o qual, é preparado para dar respostas que sejam interpretativas para nossa capacidade cognitiva frente ao abstrato. Logo, podemos caracterizar que, o ser humano tem ou desenvolveu naturalmente alguns sensores para que consiga decodificar os dados. Esses sensores são baseados principalmente nos sentidos da fala, audição, visão e tato. Ou seja, como a capacidade de se expressar oralmente (fala e audição), ler e escrever (visão e tato), mas não no paladar e no olfato, que são dois de nossos sentidos que foram diminuídos ao longo da história da espécie humana.

Figura 2: Os cinco sentidos - Falo mais sobre isso no vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=5sF19dVOLj8

Dessa forma, toda a informação que buscamos extrair da natureza, tem como objetivo, ser decodificada em dados que sejam assimiláveis pelos nossos principais sentidos, o que nos leva a necessidade da ciência ser um modelo preparado para gerar informação para esses sensores naturais.

Obviamente que, toda a informação então, seja passada de forma visual e audível, como no caso de uma aula, sendo o professor o agente que escreve na lousa e explica a matéria, ou um livro de cálculo que trás a explicação de algo extremamente abstrata como uma função com o auxílio de gráficos, ou ainda, da visualização de um simples fenômeno. Assim, os principais sensores que serão ativados primeiro sempre serão a visão e a audição e, isso se dá, pois ao longo do desenvolvimento do que compreendemos como ciência (ao nível de coisas simples do cotidiano até às abstrações mais complexas do que tange à natureza), o sistema interpretativo foi moldado em torno desses dois sensores, sendo que, a visão se tornou o principal deles.

Tomando por base tudo isso, conseguimos determinar o que é coerente e o que é incoerente dentro desse sistema interpretativo da natureza, uma vez que, conseguimos extrair informações e decodifica-las para um conjunto de dados que são de simples abstração. Entretanto, ainda em muitos casos, existem fenômenos que são trabalhados com algo que foge fora ao senso científico, extrapolando ao fato de haver a necessidade de se criar uma nova área, mas muitas vezes, chegando ao ponto de existir um certo "preconceito" frente ao modelo por parte da comunidade que se diz "detentora do conhecimento". 

Se dizer "detentor do conhecimento" e, se achar apto a dizer se algo é relevante, coerente ou científico, é um grande perigo para um cientista, uma vez que, a ciência é formada inicialmente de questionamentos e não diretamente de postulados. Para que uma verdade seja considerada absoluta, existe a necessidade inicial de se questionar se a mesma é uma verdade e, assim, conseguir se determinar um parâmetro de inquestionabilidade. Dentro desse escopo, surgem os erros atribuídos frente a uma observação, medida ou cálculo, em outras palavras, existem variações que podem ser relevantes ou não para a explicação e validação de um fenômeno ou fato.

Um exemplo de modelo considerado não-científico pela comunidade "detentora do conhecimento", devido ao fato de que esse modelo acaba por extrapolar as características do que se tem provado como verdade absoluta na ciência, é o modelo da Terra Plana. É óbvio que, o planeta Terra possui um formato semelhante a uma esfera e, isso pode ser provado com várias observações simples, como a sombra da Terra na Lua, ou do horizonte não ser contínuo eternamente, além do fato de que uma forma semelhante a uma esfera gasta menos energia e, então a estrutura se torna mais coesa. Entretanto, a teoria da Terra Plana nos trás a ideia de observação baseada no referencial, sendo que, para geocientistas, quando os mesmo rodam cálculo de interpretação de geomorfologia, se a área corresponde até um total de 600 km de extensão, a Terra é considerada plana e, os cálculos dentro desse modelo resultam em valores extremamente coerentes, tanto que, não se usa outro modelo, mesmo sabendo que a Terra não é plana. 

Figura 3: Alusão à Terra Plana
Com base nisso, chegamos a um momento muito importante do crescimento do espírito cientifico e cognitivo de um indivíduo, que é a capacidade de perceber que, a ciência, não corresponde à natureza como uma realidade, mas sim, corresponde às informações colhidas da mesma, sendo que, essas informações se encontram abstraídas dentro de um modelo interpretativo que se mostra cognitivamente simples às capacidades sensoriais (de início) e à capacidade decodificadora (pensamento abstrato) por parte do interpretador. Se mostra mais do que óbvio que, dentro desse modelo, que chamamos de ciência, existem falhas, que são supridas por adendos, ou seja, por formas mais simples de se explicar um fato, que nem sempre vai se mostrar coerente com o que concebemos como verdade absoluta em relação ao modelo proposto. 

Se a ciência não se encontrasse disposta a passar por quebras de paradigma, por modificações de modelos, pela sobreposição de preconceitos dentro do modelo, pelo aceite de postulados que anteriormente foram estudados e questionados, hoje, não teríamos os avanços significativos no que tange ao modelo científico geral.

Então, é função de todo profissional de divulgação científica, professor e pesquisador, garantir às pessoas as informações corretas do que é a ciência e, desmistifica-la completamente do estigma de detentora de verdades absolutas e irredutíveis.

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