segunda-feira, 13 de junho de 2016

O maior desafio acadêmico para um licenciado - Mestrado em quântica!

Olá a todos!
Fiquei alguns meses sem trabalhar aqui no blog pois estava finalizando meu mestrado em química quântica pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP). Agora que terminei essa pós-graduação na área de química teórica, pretendo fazer um doutorado na área de educação. Hoje vou tentar abordar um pouco sobre a subjetividade do que é um mestrado numa área um tanto quanto nebulosa para pessoas que se formam em licenciatura.

A química quântica realmente é uma área que está em amplo crescimento no mundo, e todo instituto ou departamento de química que preze por seu nome, atualmente, tem um bom grupo de pesquisa nessa área. Logo torna-se comum entre os laboratórios cheios de vidrarias, encontrarmos algumas "salas" com cara de escritório, com muitos computadores e pessoas trabalhando arduamente. Muitos podem estranhar o fato dos teóricos ficarem na frente de computadores e explicarem tudo baseado em níveis abstratos, com metodologias onde somente vemos equações como passos de trabalho e uma abordagem mais física frente ao comportamento químico das substâncias.

Obviamente, pelo fato da quântica ser uma vertente científica mais moderna, nós ainda estamos engatinhando frente a resolução de muitos problemas, sendo que as metologias de pesquisa estão a cada dia se fundamentando mais e mais, até que um dia, toda a pesquisa tenha como necessidade passar por um tratamento quântico para ser considerada como válida.

Porém, para conseguir um mínimo de abstração frente aos chamados problemas que fogem a metologia clássica, existe grande necessidade de um conhecimento bom em física e obviamente em cálculo. E é bem aí nesse ponto, que muitos de nós que viemos de um curso de licenciatura, encontramos a grande barreira frente a essa área. 

Digo isso, pelo fato dos cursos de licenciatura não prepararem solidamente a ementa para que os alunos adentrem no "mundo quântico" sem os traumas e preconceitos que adquirem durante os anos de faculdade. Eu escolhi fazer uma pós-graduação nessa área, pois, me sentia muito incompleto em físico-química e, então, resolvi sanar essa deficiência com um desafio... Talvez o maior desafio acadêmico que tive na minha vida de estudante... O Mestrado em Teoria do Funcional da Densidade (DFT - Density Functional Theory).

O primeiro entrave é o fato de toda a DFT ser embasada em língua inglesa, então, havia a necessidade de adquirir conhecimento sobre quântica em língua estrangeira e, isso, não é nem um pouco trivial. O segundo entrave foi a compreensão da simbologia, uma vez que o meu nível de conhecimento matemático não era muito profundo em cálculo numérico, então, a compreensão no cálculo variacional foi extremamente prejudicada. O terceiro entrave foi a pouca prática em lidar com o sistema operacional Linux (na realidade foi o menor dos entraves). Ou seja, a maior dificuldade que nós, alunos de química (Licenciatura e também Bacharel) temos em relação à quântica, permeia às linguagens que envolve essa área.

Portanto, aos estudantes que visam fazer uma pós-graduação na área de quântica, a primeira coisa que eu aconselho buscarem é um bom domínio de inglês. A segunda coisa será conhecer um mínimo de lógica de programação. Quem dominar essas duas características, aliado a um curso relativamente bom em química, tem boas chances de se sair bem nessa área que tanto amedronta as pessoas. É claro que essas características subjetivas, ou seja, as dificuldades notadas, se mostram referente aos problemas que encontrei, porém, ao questionar diversas pessoas que estavam trabalhando nessa área, notei que, a dificuldade relacionada com as linguagens existentes dentro dessa área eram comum a todos.

Uma percepção que obtive dentro desse universo acadêmico, e que se mostra muitas vezes restritivo foi o fato das pessoas terem um certo orgulho em dizer que trabalha ou trabalharam com quântica, sendo esse, um quesito que causa intimidação. É claro que, na maioria das vezes, as pessoas não se utilizam desse status intimidador para sobreporem suas opiniões sobre a dos outros, porém, não foram raras as vezes que pude observar um teórico querendo colocar um ponto final em uma discussão somente com a intimidação desse "título" adquirido devido ao fato de outras pessoas não terem tanta intimidade com esse universo (Na realidade, nem mesmo o teórico muitas vezes tem intimidade com quântica, mas se utiliza dessa alcunha de poder para subjugar aqueles que não aceitam sua opinião).

O que posso adiantar a todos aqueles que pensam em rumar ao "mundo quântico" é que devem irem preparados para receberem críticas severas. Para um teórico, muitas vezes a licenciatura é uma área que serve de escape, até mesmo a docência dentro da acadêmia se mostra inferior ao seu trabalho, pois esse "título" adquirido, na área de quântica, garante ao indivíduo o status de verdadeiro paladino da ciência... Ledo engano!

Um requisito básico para um cientista é ter capacidade de transmitir informação em diversos níveis de abstração, ou seja, se eu sou um pesquisador, descubro algo e, não tenho capacidade de transmitir de forma escrita e oralmente o quão relevante é minha descoberta, eu só mostro que sou um profissional incompleto. O interessante é que a maioria dos profissionais, de todas as áreas de pesquisa avançada em química, acreditam que os licenciados são incompletos frente ao conhecimento científico, mas esquecem que esses alunos assim podem ser, devido às ementas de curso mal estruturadas e também às péssimas aulas oferecidas (por esses próprios pesquisadores, que ostentam também o título de docentes... Porém não merecem... já que não sabem o que é didática).

Algo que vai ganhando nível de revolta durante a pós-graduação é o fato de a todo instante, alguém ver seu currículo, ler "Licenciado em Química" e logo em seguida já falar: "Você tem muito à aprender!"... Obviamente todos temos muito à aprender, mas com certeza, a nós que viemos da licenciatura, existe este estigma, mais bem definido e presente em nossa vida. 

Portanto o que quero deixar a todos aqui, que estudam licenciatura em química (ou mesmo em outra área) é que o preconceito com a área é mais evidente nos primeiros ciclos da pós-graduação, sendo que até se torna algo a nível de abrandamento, quando o seu orientador vem a "passar vergonha" com algum conceito que possa ser considerado errado, e que o aluno oriundo da licenciatura diz na frente de outros "titulados"... (Ah! ... ele vem da licenciatura... não liguem!). Engana-se quem crê que as nossas dificuldades são superiores aos alunos do bacharel, na realidade as dificuldades de um licenciado acabam ficando hercúleas pelo fato dos preconceituosos infligirem mais problemas à nossa trajetória, ou seja, em vez de atacar ao ponto, que é a melhoria da abstração frente às linguagens específicas da área, preferem atacar o nosso orgulho, dizendo que vamos ter que dedicar muito mais de nosso tempo ao estudo do que um aluno que tenha vido de um nível "superior".

Minha dica é não ter medo e ir relevando, trabalhando normal ao nível de todos. No meu mestrado existiu disciplina de 8 horas de trabalho dentro do laboratório (Para todos os alunos, indiferente de formação), porém a demanda sempre foi maior do que conseguíamos dar conta, ou seja, era comum ter pessoas no laboratório até as 20:00 horas, e depois trabalhando de madrugada em casa... isso é trivial no mundo acadêmico (Quantas noites mal dormidas não tive... praticamente dois anos dormindo mal!... Por isso não consegui mais produzir conteúdo para esse blog durante esse tempo). Porém essa dedicação não escolhe formação, ela é implícita da ciência, tornado-se quase um sacerdócio. 

Não acreditem que em outras áreas se encontra refresco, isso não é verdade, sempre que se espera produzir algo a nível internacional e, assim ter uma boa formação, vai haver uma grande demanda de trabalho.

Hoje, rumo para a educação novamente, com uma formação mais consolidada em ciências... Todas as dificuldades, frustrações e também exaustão frente a essa área que era nebulosa para mim, garante uma melhor abstração do que é ciência. Então, obviamente, indico aos licenciandos, que é extremamente salutar, sair da zona de conforto e se desafiar procurando melhoria pessoal e profissional, pois somente assim, podemos nos considerar bons docentes.

5 comentários:

  1. Excelente texto...
    Eu curso licenciatura em química e pretendo seguir o mesmo caminho que você, já tenho a insegurança do meu curso não ser completo o suficiente pelo fato de não ser um bacharelado ,mas ao ler seu texto fiquei mais motivada...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Djullye, tudo bom?
      Fico feliz que esse texto pode ser útil a vc.
      Não tenha medo, pensando que seu curso é incompleto, na realidade não é, a grande diferença entre um licenciado e um bacharel é o tempo em aulas específicas. O bacharel faz algumas matérias de química a mais que a gente, porém, nem sempre essas aulas consolidam algo de bom. Na realidade, seria melhor ter menos matérias, porém, com uma ementa curricular mais bem fundamentada. Aulas de orgânica da faculdade por exemplo, não faz muito sentido o professor perder tempo explicando coisas simples como nomenclatura (se fosse a nível médio seria obrigatório), já que isso é quase um pré-requisito para se entrar no curso. Logo, não faz sentido (no meu ver), perdermos tanto tempo em matérias inúteis. Eu fiz uma matéria chamada "Introdução à matemática", onde foi relembrado definição de função, como plotar pontos num gráfico e coisas do gênero, porém, não ouve uma introdução a derivadas, o que prejudicou muito a matéria de cálculo, pois o professor acreditava que a gente já tinha o básico de matemática avançada (e não tínhamos). Então as ementas perdem muito tempo com matérias que no fim não agregam muita coisa... Como eu disse, para os bacharéis, faz algum sentido fazer Orgânica 1,2,3, laboratório... depois ainda tem bioquímica 1,2 e laboratório. Não faz sentido, no fim, eles não conseguiram agregar nada, pois, a maratona de estudo é pesada e o objetivo deixa de ser aprender e se transforma em passar na matéria.

      Agora o licenciado tem uma grande vantagem que o bacharel não tem. Como vc já percebeu, eu fiz mestrado numa área mais comum aos bacharéis, ou seja, fazer a licenciatura não me impediu nada, pois temos diploma básico em química. Mas a grande vantagem é que, existem diversos concursos que exigem formação em licenciatura, como por exemplo, ensino médio e os institutos federais (que por sinal pagam muito bem... muito próximo de professores de universidades)... ou seja, na maioria dos concursos que se pede diploma de química a gente pode prestar e nos concursos que exigem licenciatura, obviamente podemos prestar, porém, os bacharéis não.

      Tenho visto muitos doutores, que se formarem em bacharel em química, entrarem em desespero após a defesa, pois não arrumam emprego, o mercado está meio saturado de gente (em todas as áreas). Então eles correm fazer um pós-doc (eu também penso em fazer daqui uns 5 anos), pois precisam de alguma fonte de renda, só que não está tendo muitas bolsas. Então imagine, vc é doutor, defende, não arruma emprego... vai fazer o que?... mas se vc é licenciado, vc defende, não arrumou emprego?... vai lecionar, paga pouco (nem sempre), mas ao menos vc tem uma fonte de renda. Ou seja, não existe desvantagem em fazer licenciatura. Sem contar, que pelo fato da gente acabar expondo mais nossa retórica e dialética durante o curso, acabamos aprendendo a lidar melhor com pessoas, logo nas entrevistas os licenciados vão muito bem.

      Então, sempre se mantenha estudando e tentando absorver o máximo que pode de conceitos básicos, pois são eles que vão fazer diferença lá na frente. Um bom exercício é vc tentar usar definições, por exemplo, pega um caderno e vai escrevendo definições de conceitos de química, por exemplo: "Defina o que é uma ligação de hidrogênio"... ai vc explica, "Defina o que é um aldeído...", "Defina o que é reação exotérmica...", e assim por diante. Fazendo isso, vc não só terá um vocabulário químico muito bem preparado, mas também vai ajudar a consolidar muita coisa, que nem os bacharéis sabem.

      Muito obrigado por seu comentário!

      Excluir
    2. Muito obrigada por me responder.
      Essa semana um professor meu estava discutido sobre esse assunto, e realmente é da maneira que você explicou.
      Com certeza irei fazer esse exercício que você indicou, obrigada mais uma vez!

      Excluir
    3. Sempre às ordens ;)... Fico feliz em ajudar!

      Excluir